Quem ouviu
Wesley Safadão cantando “Quatro semanas de amor” em seu último álbum, lançado
em junho, também escutou o cantor dizer no meio da regravação uma frase de
patrocínio se referindo a uma casa de apostas esportivas.
Safadão é
um dos garotos-propaganda mais famosos da Betvip, mas não é o único. Vaqueiros
do Nordeste, que há poucos anos só conquistavam prêmios com vaquejadas,
passaram a receber dinheiro da empresa e de outras bets que fazem parte dos
grupos Pixbet e Betesporte.
Em troca do
patrocínio, os vaqueiros se engajaram em outra atividade: ser influencers de
jogos de azar. Agora, além de derrubar boi na pista, trabalham divulgando casas
de apostas.
As bets
ainda apoiam financeiramente eventos, campeonatos e sites especializados em
vaquejadas. A influência é tão grande que o esporte tradicional no Nordeste
ganhou um novo formato nos últimos dois anos, o X1 Vaquejada.
Nathan
Queiroz, conhecido como Capa Loka, é um dos vaqueiros com mais seguidores no
Instagram, são 2,1 milhões. Em quase todas as publicações, ele aparece com a
camisa da Betesporte e o boné da Lance de Sorte. As duas bets fazem parte do
mesmo grupo.
Outros
exemplos de vaqueiros influencers são Raimundo Edvando Silva Souza, conhecido
como Peixe da Lama ou Peixão, e Geraldo José De Moraes Guerra Neto, o Gera
Guerra.
Peixão tem
mais de 500 mil seguidores no Instagram e também é patrocinado pela Betvip. O
Gera, assim como o Capa Loka, é patrocinado pela Betesporte. Ele tem cerca de
300 mil seguidores.
Esses e
outros vaqueiros influencers de jogos de azar aparecem quase sempre nos stories
e nas vaquejadas exibindo a marca das bets que os patrocinam. Os vídeos que
postam, geralmente, têm links personalizados que direcionam para os sites. Caso
o seguidor faça uma aposta, a empresa saberá quem o influenciou a chegar até
ali.
Vaquejada:
cultura e esporte
De tradição
popular no Nordeste, a vaquejada é reconhecida por lei, desde 2016, como
manifestação cultural nacional. Em 2025, o Ministério do Esporte a incluiu na
lista de modalidades esportivas que podem ser objeto de apostas de quota fixa.
Segundo
Leonardo Dias, presidente da Associação Brasileira de Vaquejada (Abvaq), as
bets ajudaram a movimentar economicamente o esporte. Embora veja isso como
positivo, ele ressalta sua preocupação com possíveis manipulações dos
resultados, principalmente por meio dos juízes. Não, há, contudo, registros de
casos, de acordo com o presidente.
“A Abvaq
qualifica esses profissionais para que eles conheçam o regulamento, mas os
juízes fazem contratos particulares com os promotores dos eventos. Então, a
gente se preocupa com a manipulação dos resultados, mas não temos controle
sobre isso”, afirmou Dias.
De acordo
com a Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, o
reconhecimento da vaquejada como modalidade esportiva equestre contribui para
afastar o risco das apostas em sites ilegais.
Disputa de
bets na vaquejada
Com a
influência das bets, a vaquejado ganhou um novo formato, o X1. Nessa
modalidade, um vaqueiro enfrenta o outro. Isso facilita as apostas, porque
ganha quem derrubar mais bois, como em uma disputa de pênaltis. A competição
também se encerra mais rápido.
No formato
tradicional, diversos vaqueiros participam das disputas. Quem for derrubando os
bois, vai passando para as etapas seguintes, nas quais os animais são maiores.
Ganha quem ficar até o fim e somar o maior número de bois derrubados. A
competição pode levar mais de um dia.
As bets
também promovem apostas nesse formato tradicional, mas a disputa entre dois
vaqueiros é que movimenta as redes sociais, gera expectativa e, claro, estimula
mais apostas.
Um dos X1
de maior repercussão aconteceu entre Capa Loka e Peixe da Lama. Eles se
enfrentaram em junho de 2025, em Campina Grande, na Paraíba. Cerca de 300 mil
pessoas acompanharam a transmissão ao vivo pelo Youtube.
Na prática,
era uma disputa entre a Betesporte e a Betvip. O duelo foi amplamente
divulgado, com grande estímulo às apostas. Antes da competição, as provocações
entre os vaqueiros renderam muito conteúdo nas redes sociais.
Enquanto
Capa Loka era o favorito, Peixe da Lama era o considerado azarão. Por isso,
tinha a cotação da aposta — a odd — mais alta. O apostador que confiou na
vitória dele se deu bem. Peixão derrubou mais bois e levou a competição.
Para Fábio
Leal, diretor presidente do Portal Vaquejada, que organiza um dos mais
importantes campeonatos do Nordeste, as bets ajudam não só financeiramente os
eventos e os vaqueiros, como tornam a vaquejada mais conhecida.
“A
audiência aumentou com os influenciadores e, agora, alguns artistas estão
praticando e divulgando o esporte”, disse Leal. Ele se refere a Cristian Bell,
humorista, cantor e influenciador digital com mais de 5,5 milhões de
seguidores.
Bets
nordestinas
Cinco bets
promovem apostas em vaquejadas atualmente: Pixbet, Flabet, Betvip, Betesporte e
Lance de Sorte. Todas têm CNPJ em estados do Nordeste.
A Pixbet e
a Flabet pertencem ao mesmo grupo. Elas são registradas na Paraíba, em nome de
Diomar Tadeu Dantas de Farias e Ernildo Junior de Farias Santos.
A Betvip tem
outro número de CNPJ, mas está registrada no mesmo endereço da Flabet. Em um
cadastro anterior, uma empresa de mesmo nome que atualmente consta como
inativa, também pertencia a Diomar e Ernildo.
Já a
Betesporte e a Lance de Sorte fazem parte do mesmo grupo, registrado em
Pernambuco. Os donos são Marcos Vinícius Pereira, Antonio Vinícius Nogueira
Junior, Danylo de Castro Campos, Emerson Kelvin Pereira Bezerra, Rodrigo
Manguinho Costa e Thiago Carvalho Pereira da Silva.
Segundo
Fábio Leal, as bets que promovem apostas em vaquejadas fazem isso porque são do
Nordeste e têm relação com o esporte. “O volume de apostas não é tão grande
como no futebol. A rentabilidade, às vezes, não é o esperado, mas são pessoas
ligadas à cultura da vaquejada”, disse.
Para Leonardo
Benites, diretor de comunicação da Associação Nacional de Jogos e Loterias, a
indústria de apostas tem grande relevância para todos os esportes. “Com a
vaquejada não seria diferente, por ela não ser somente um esporte, mas estar
ligada culturalmente ao Nordeste”.
Os mesmos
vaqueiros que lucram com o incentivo a apostas também divulgam o Pix do Milhão,
uma plataforma que promove sorteios com prêmios semanais de até R$ 1 milhão. A
plataforma não é uma bet, é uma empresa que vende títulos de capitalização na
modalidade incentivo, regulada pela Superintendência de Seguros Privados
(Susep).
Quase
diariamente, Gera Guerra e Peixe da Lama divulgam links personalizados e
incentivam os seguidores a clicarem para terem a “oportunidade de mudar de
vida” ou “ser o novo milionário”.
O g1 tentou
falar com todas as bets citadas, mas nenhuma respondeu. Os vaqueiros citados
também não responderam às solicitações de entrevista.
(Por Nayara
Felizardo / G1)