Pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
e colaboradores identificaram que ferramentas de machine learning são capazes
de predizer, entre pacientes com diabetes acompanhados ambulatorialmente,
aqueles com maior risco de hospitalização.
O estudo de coorte retrospectivo, publicado em abril deste ano nos
Archives of Endrocrinology and Metabolism [1] , avaliou prontuários eletrônicos
de 617 pacientes com diabetes, atendidos em uma unidade de endocrinologia de um
hospital público terciário do Rio Grande do Sul entre janeiro de 2015 e
dezembro de 2017. Desse total, 105 (17,02%) foram hospitalizados ao menos uma
vez no período de dois anos.
Os autores utilizaram IA para analisar os dados e testaram
múltiplos algoritmos de machine learning. A combinação de XGBoost e Instance
Hardness Threshold apresentou o melhor desempenho, com sensibilidade de 0,93
para identificar os eventos de hospitalização.
Segundo o autor Dr. Mateus Reis, médico endocrinologista e
metabologista, doutor em Endocrinologia pela UFRGS e professor de
Endocrinologia da Universidade Feevale, essa combinação também apresentou menor
desvio padrão, o que indica maior estabilidade e capacidade de generalização.
Perfil clínico dos pacientes com maior taxa de
hospitalização
A pesquisa identificou fatores determinantes para a hospitalização
dos pacientes avaliados: maior número de consultas ambulatoriais, maior
amplitude da taxa de filtração glomerular estimada (eGFR) e idade (< 24 anos
e entre 65 e 70 anos).
Em entrevista ao Medscape, o Dr. Mateus destacou que esses
resultados têm relevância clínica. "Pacientes com frequentes consultas
ambulatoriais tendem a apresentar quadros clínicos mais complexos. A variação
na eGFR pode indicar deterioração da função renal, aumentando o risco de eventos
graves. Já entre os jovens (< 24 anos), a hospitalização pode estar
relacionada ao diabetes tipo 1 e a episódios de cetoacidose diabética,
frequentemente decorrentes da não adesão ao tratamento”, explicou.
Quanto ao maior risco de hospitalização na faixa etária entre 65 e
70 anos, o especialista ressaltou que não foram identificados fatores
específicos para explicar essa diferença em relação a pacientes acima de 70
anos.
Possíveis impactos da implementação de IA
Para o Dr. Mateus, ao identificar precocemente pacientes de maior
risco, os modelos preditivos podem viabilizar intervenções direcionadas antes
da necessidade de hospitalização. Segundo o especialista, essa estratégia pode
“otimizar o uso de recursos, priorizando atenção e acompanhamento intensivo
para os casos mais complexos; reduzir internações evitáveis, diminuindo custos
diretos (hospitalizações) e indiretos (absenteísmo); e melhorar o prognóstico,
pois a gestão precoce de complicações reduz a gravidade dos desfechos
clínicos”.
Apesar das vantagens, ele ressalta que a ampla adoção desses
modelos envolve custos de desenvolvimento, implementação, treinamento e
manutenção, além da integração com sistemas de prontuários eletrônicos,
infraestrutura tecnológica e capacitação das equipes de saúde.
Os desafios existem, mas o Dr. Mateus mantém uma visão otimista.
“A incorporação pode ser viável e benéfica no Brasil, visto que o modelo
demonstrou bom desempenho com dados simples e rotineiros, disponíveis em
prontuários eletrônicos”, destacou. Para ele, essa abordagem tem potencial para
aprimorar o cuidado ambulatorial, evitar internações desnecessárias e, a médio
e longo prazo, resultar em economia para o sistema de saúde e melhora nos
desfechos dos pacientes.
Como a comunidade médica avalia a iniciativa
Também consultamos o Dr. Márcio Krakauer, coordenador do
Departamento de Saúde Digital, Telemedicina e Inovação em Diabetes da Sociedade
Brasileira de Diabetes (SBD), sobre o tema.
Para o especialista, o estudo da UFRGS reforça conhecimentos já
consolidados. "Indivíduos obesos, fumantes, hipertensos e com diabetes,
pressão arterial e colesterol descontrolados apresentam maior risco de
internação quando esses quadros persistem por longos períodos”, destacou.
Segundo ele, o diferencial do estudo foi demonstrar que a análise
de dados de prontuários médicos por meio do aprendizado de máquina e IA podem
identificar os pacientes com maior risco de hospitalização.
Além disso, o especialista apontou um dado preliminar que poderia
ser aprofundado futuramente. "Por exemplo, seria possível utilizar esses
dados em uma população específica. Metade dos pacientes identificados poderia
receber acompanhamento mais frequente, comparecer a mais consultas e ter maior
atenção à adesão ao tratamento e ao engajamento. A outra metade não receberia
essa abordagem intensiva. Posteriormente, poderíamos avaliar se o modelo
realmente conseguiu prever e prevenir internações”, explicou.
Apesar dos desafios, o médico considera viável a implementação de
modelos preditivos desse tipo no Brasil.
Segundo ele, a possibilidade de identificar pessoas com maior
risco em grandes populações no SUS, hospitais e ambulatórios permitiria
avaliações mais frequentes, gerando potencial economia para o sistema de saúde.
“Acredito muito na tecnologia e na IA como ferramentas para a
gestão eficiente da saúde da população. Isso é muito promissor”, destacou.
Referências
Deina C, Fogliatto FS, Reis MAD, Schaan BD. Machine learning for
high-risk hospitalization prediction in outpatient individuals with diabetes at
a tertiary hospital. Arch Endocrinol Metab.
2025 Apr 15;69(2):e230348. doi: 10.20945/2359-4292-2024-0317.
(Medscape Notícias Médicas)