Há uma crise no
setor energético brasileiro e isto preocupa toda a sua cadeia produtiva,
incluindo as dezenas de empresas distribuidoras de energia, como diz a esta
coluna o presidente do Conselho de Consumidores da Enel Distribuição Ceará,
Erildo Pontes. Ele revela que essa crise tem raiz na Agência Nacional de
Energia Elétrica (Aneel), vítima de um confisco nesta semana.
O Brasil tem
cerca de 90 milhões de consumidores de energia elétrica, os quais recolhem à
União uma montanha de dinheiro do tamanho de R$ 1,35 bilhão por ano relativa à
taxa de fiscalização, que deveria ser 100% repassada à agência reguladora, a
qual, porém, só recebe 20% desse valor, que, aliás, tem sido reduzido nos
últimos anos.
Agora, vem a
facada: por ordem do ministério da Fazenda, a União apropriou-se de R$ 800
milhões dessa taxa de fiscalização, que, repita-se, deveria ser imediata e
automaticamente repassada para a reguladora.
Há outro fato
que incrementa as preocupações do setor energético: neste momento, estão
vencendo os contratos de concessão da maioria das grandes empresas distribuidoras,
incluindo as do Grupo Enel, como a do Ceará, o que exigiria uma ação muito
ativa da agência reguladora, que, ao contrário, está sendo apenada com a
redução do seu orçamento.
Como imediata
consequência desse confisco, a Aneel tomou algumas drásticas medidas, a
primeira das quais foi demitir mais de 140 dos seus funcionários terceirizados.
O setor mais diretamente prejudicado foi o de Ouvidoria, canal pelo qual a
Aneel recebe as denúncias e reclamações dos clientes das distribuidoras, as
quais, devidamente analisadas (algumas são improcedentes), são encaminhadas ao
seu setor de fiscalização.
Ontem, o
diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, confirmou as demissões na agência, que
se processam em meio ao corte orçamentário que enfrenta a reguladora. Essas
demissões, com o fim dos contratos de terceirização, serão efetivadas a partir
do próximo dia primeiro de julho.
“Infelizmente,
esta talvez seja a decisão mais difícil tomada pela diretoria da Aneel, que em
outro momento sacrificou outros serviços para manter esses postos de trabalho.
Isto agora, neste momento, não será mais possível”, afirmou Barbosa no
pronunciamento que fez antes da reunião de ontem da diretoria da agência reguladora.
De acordo com o
presidente da Associação dos Servidores da Aneel (Asea), Benedito Cruz Gomes, a
demissão de 145 terceirizados representa a perda de 15% da força de trabalho da
agência, que tem atualmente 552 servidores e 487 terceirizados. Ele lamentou as
demissões e afirmou que a Aneel está de luto e que isso reflete uma
"decisão imediatista” do governo de não investir na agência.
Aqui em
Fortaleza, Erildo Pontes, na boleia dessa crise que explode na Aneel, não
esconde sua preocupação, também, com a situação criada pelo Congresso Nacional,
que aprovou, na semana passada, no texto da Lei 15.097 – que regulamenta a
geração de energia eólica offshore (dentro do mar) – oito “jabutis” (emendas
que nada têm a ver com o escopo do Lei) que causarão prejuízo de mais de R$ 1,6
bilhão aos consumidores brasileiros ao longo dos próximos 25 anos.
Erildo Pontes
explicou que, entre os absurdos aprovados pelos senadores e deputados, está o
seguinte: ampliação de 2.750 MW para 4.450 MW da capacidade de geração das
usinas movidas a gás natural. Isto fez saltar de R$ 151 bilhões para R$ 306
bilhões o valor que os consumidores terão de pagar pela operação dessas UTEs
até 2050. Isto acontece no justo momento em que o mundo todo se esforça para
trocar as energias fósseis por energia renováveis, como a eólica e a solar,
além da hidráulica.
Antes da
aprovação do PL 15.077, o custo que seria imposto aos consumidores era de R$
405 bilhões. Esse custo saltou – incluindo todas as mudanças no texto da Lei,
ou seja, os oito “jabutis” – para R$ 1,063 trilhão, o que representa R$ 658
bilhões a mais do que estava previsto.
Resumindo: a
crise na Aneel é a mesma que enfrentam outras agências reguladoras, e a causa
está na política fiscal.
Necessitando, a
todo custo, de aumentar sua receita para encarar sua crescente despesa, o
governo recorre, por exemplo, aos dividendos extraordinários da Petrobras e,
também, aos recursos oriundos de multas de agências reguladoras, como a Aneel.
No fim – e como
sempre acontece – é o consumido quem paga a conta. E o consumidor somos todos
nós.
(Egídio Serpa /
SVM)