Na pequena comunidade de Serrote Branco, localizada na zona rural
de Quixadá, no Sertão Central do Ceará, a vida é medida em baldes. É deles que
sai a água para lavar a louça, preparar a comida, dar de beber aos animais e
tentar manter a dignidade em meio à escassez. Na casa de dona Célia Germano, a
água encanada é um luxo distante. É da cisterna que ela retira o mínimo
necessário para enfrentar o dia. Os moradores da comunidade são abastecidos por
carro-pipa.
“Todo dia pode ser aqui, pode ser na pia. É aqui mesmo. Tem que
lavar as vasilhas e pegar lenho no mato pra botar no fogo”, conta, enquanto
equilibra um balde cheio de água sobre o chão batido do quintal.
Célia é uma das dezenas de moradoras de Serrote Branco que
dependem do Programa Operação Carro-Pipa, criado em 2012 pelo Governo Federal
para abastecer comunidades do semiárido nordestino em situação de emergência
por causa da seca. Segundo a Defesa Civil de Quixadá, cerca de 90% da população
rural do município vive sem acesso regular à água potável, dependendo
exclusivamente dos caminhões-pipa.
“O caminhão-pipa é como uma adutora móvel. Se não tem água, se não
tem poço, se não tem açude, essa água tem que vir de algum lugar. E vem através
dos carros-pipa”, explica Júnior Mourão, coordenador da Defesa Civil de
Quixadá. “Sem eles, essa água jamais chega às famílias.”
De 2023 a 2024, mais de 500 municípios foram atendidos pelo
programa, segundo o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional.
Atualmente, a operação abastece cerca de 34 mil cisternas coletivas,
beneficiando mais de 1,5 milhão de pessoas todos os meses.
Mas o que é vital para uns, muitas vezes não recebe a prioridade
devida. Em março deste ano, o programa foi suspenso em diversas localidades
devido a problemas orçamentários e atrasos nos repasses ao Exército Brasileiro,
responsável pela execução. Em fevereiro, pipeiros protestaram exigindo o pagamento
de salários atrasados desde o ano anterior.
“Quando passa um carro-pipa por aqui, não significa só água.
Significa vida”, desabafa Cleilton Nunes, líder comunitário em Serrote Branco.
“Esses trabalhadores precisam de atenção e apoio. Sem eles, nossa vida para.”
A situação em Serrote Branco se agravou nos últimos anos. De
acordo com os moradores, a comunidade ficou três anos sem receber água
regularmente da Operação Carro-Pipa. Nesse período, a sobrevivência foi um
desafio diário.
“Há três anos atrás, quem tinha dinheiro comprava água. Quem não
tinha, se humilhava pedindo aos donos de açudes ou fazendas. E nem sempre
deixavam tirar”, lembra dona Nísia Maciel, outra moradora da comunidade. “Agora
a gente tá tendo essa facilidade, e agradece muito por isso.”
A operação foi retomada no início de abril de 2025, com previsão
de funcionamento por mais 180 dias, mas a incerteza ainda paira sobre o futuro.
Para muitos líderes locais, como Cleilton, é hora de mudar a forma
como a seca é tratada no país. “Seca não é mais desastre. Desastre é uma
enchente que arrasta tudo. A seca é o que a gente vive todo dia. Precisamos de
programas permanentes, estruturantes, não de medidas emergenciais”, afirma.
Enquanto isso, dona Célia, dona Nísia e tantas outras mulheres do
Sertão continuam a carregar baldes. Mais do que água, elas carregam a
resistência de um povo que aprendeu a sobreviver entre a dureza da terra e a
esperança que nunca seca.